"Com novas ferramentas, jornalistas estão melhores hoje do que há 20 ou 30 anos"

Entrevista concedida pelo jornalista Tom Rosentiel, do Instituto Americano de Imprensa, ao jornalista Luis Fernando Silva Pinto para o Milênio — programa de entrevistas que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com reprises às terças (17h30), quartas (15h30), quintas (6h30) e domingos (14h05).

O jornalismo durante muito tempo definiu os nossos papéis: você recebe a informação, eu sou parte do processo de preparação disso. Mas hoje esses papéis já não se definem tão claramente. Você passou a ter fatos e imagens na palma da sua mão. Você compartilha opiniões, recebe e dá informações instantaneamente se quiser em redes sociais. O nosso meio ambiente jornalístico mudou: de informativo passou a ser informativo e participativo. Tom Rosenstiel, do Instituto Americano de Imprensa, é um veterano jornalista e pesquisador das tendências da imprensa. Ele co-editou o livro A nova ética do jornalismo, que examina o estado atual da imprensa e as perspectivas que estão surgindo. Ele é o nosso entrevistado no Milênio.

No fim das contas, o jornalismo é uma disciplina de verificação. A coisa mais importante que o jornalismo nos dá é uma base de fatos precisos. Eu atribuo meu próprio significado à notícia, mas preciso saber o que de fato aconteceu. — Tom Rosenstiel.

Luis Fernando Silva Pinto — Eu disse na introdução que tudo mudou. E a pergunta é: mudou em que direção? Então vou começar a entrevista pedindo a você uma visão geral. Nós mudamos para melhor ou não?
Tom Rosenstiel — Sempre que temos uma grande revolução tecnológica nas comunicações as pessoas se perguntam se foi para melhor ou para pior. E a resposta é sempre a mesma: “Sim. Ambos.”

Imagine a invenção da imprensa em 1450. De repente… Do sr. Gutenberg. O que antes levava um ano — a transcrição da Bíblia por um monge — podia ser impresso em um dia. O número de livros em circulação explodiu. Mas a Igreja começou a perder autoridade e as pessoas começaram a pensar de forma independente…

Luis Fernando Silva Pinto — Apesar de os primeiros livros impressos terem sido bíblias.
Tom Rosenstiel —
 Porque as pessoas começaram a lê-la sozinhas e a interpretar seu significado de formas diferentes.

Luis Fernando Silva Pinto — Se acontece algo como o 11 de setembro ou algo equivalente a isso, para onde correr?
Tom Rosenstiel —
 Eu já pensei muito sobre isso. Marshall McLuhan dizia que o meio é a mensagem, o que significa que, se eu vejo TV, só conheço parte da história. E eu acho que a história é a mensagem. Então, quando o 11 de setembro aconteceu, todo mundo ligou a TV. Todos queriam ver aquilo ao vivo.

Ainda estava acontecendo e era possível acompanhar de um lugar seguro. Horas depois, quando você quer descobrir o que a polícia já sabe e quais são as conexões, aí você vai procurar um artigo escrito que resuma a história. Ou acontece um furacão e, três meses depois, você quer saber por que o dinheiro do socorro não chegou para a reconstrução. Para onde ele foi? Isso você vai querer ler em vez de assistir.

Luis Fernando Silva Pinto — Qual é a sua âncora para confirmação de notícias, profundidade etc.? Você recorre ao New York Times, ao Washington Post, ao Wall Street Journal? O que você faz?
Tom Rosenstiel — Eu moro em Washington, mas leio tanto o New York Times como o Washington Post. E se eles estiverem alinhados, eu confio na informação. Sou de uma certa geração e os leio no formato impresso e também digital. A minha filha, que é cientista política, nem toca em papel. Ela acha que a maioria das publicações é tendenciosa e ela pega duas ou três que têm linhas diferentes e verifica se elas se alinham.

Luis Fernando Silva Pinto — Ao fazer isso, tanto você como ela, de formas muito diferentes, procuram uma lógica editorial que você pode usar para concordar com ela ou para dizer: “Ah, é isso que a outra filosofia prega”. Mas, de qualquer forma, você busca uma lógica editorial, e isso é um produto.
Tom Rosenstiel —
 Sim, é um produto, e há uma diferença entre apontar a câmera para um evento ao vivo — o que é tecnologia — e fazer escolhas: “Essa declaração é verdadeira, essa é falsa, ele se enganou ali” — o que é jornalismo. O que eu busco numa publicação — e é por isso que recorro ao New York Times, por exemplo — é que ela dedique muito tempo, a despeito de seu ponto de vista editorial, tentando verificar os fatos. No fim das contas, o jornalismo é uma disciplina de verificação. A coisa mais importante que o jornalismo nos dá é uma base de fatos precisos. Eu atribuo meu próprio significado à notícia, mas preciso saber o que de fato aconteceu.

Luis Fernando Silva Pinto — Em nossa empresa, nós temos, tanto na TV aberta quanto na TV a cabo, noticiários com grande audiência. Às vezes ótima. Por que as pessoas assistem a noticiários na TV fechada ou na aberta atualmente?
Tom Rosenstiel — É uma ótima pergunta. Elas querem ver com os próprios olhos: “Eu ouvi falar disso e preciso ver.” As notícias são uma forma de fluxo social. Ou seja, nós queremos comentar as notícias. Nossa pesquisa provou de forma contundente que o principal motivo pelo qual as pessoas buscam notícias é para discuti-las com outras pessoas. É o que usamos para interagir. Então, se o seu noticiário vai ao ar antes que as pessoas saiam para encontrar outras pessoas, ele tem mais valor.

Luis Fernando Silva Pinto — A ética sempre foi um instrumento fundamental no jornalismo. Será que isso está mudando? E como? Há alguns elementos. Antes eram verdade, independência e minimizar ou não causar danos. E agora?
Tom Rosenstiel — Essa é uma pergunta que me fazem muito. Eu acredito firmemente que os cidadãos continuam querendo as mesmas coisas do jornalismo. Portanto, as responsabilidades que os jornalistas têm para com eles são as mesmas. Em outras palavras, eu quero que você me diga a verdade. Eu preciso saber que você verificou os fatos e que eles são precisos, não apenas literalmente, mas que você os contextualizou, que eles são verdadeiros. Quero que você seja independente, quero saber que não é um agente secreto para um determinado partido político, que, se disser que acha tal coisa, que realmente ache, e que você esteja fundamentalmente do meu lado, do lado do seu público, acima de qualquer outra filiação.

Luis Fernando Silva Pinto — Que eu não queira prejudicar nem enganar você.
Tom Rosenstiel — Que não queira me explorar, que não defenda interesses de anunciantes. Há 16 anos, se você cobrisse um evento, podia decidir não publicar por achar que era falso. Hoje, aquele evento é tuitado ao vivo.

Luis Fernando Silva Pinto — Seja verdadeiro ou falso.
Tom Rosenstiel — A pessoa no palanque pode dizer o que quiser. Pode ser uma grande mentira. Hoje, o seu trabalho como jornalista é me dizer: “Aquilo que ele disse e que você ouviu há uma hora e está se espalhando pela internet não deve ser levado a sério, eis o porquê.” Portanto a sua obrigação para ser um bom contador da verdade é a mesma, mas a forma de executar essa obrigação mudou radicalmente e exige mais de você. Antes, bastava pensar: “Acho que é mentira. Não vou divulgar.”

Luis Fernando Silva Pinto — É aí que se estabelece um limite claro de transparência. “Se isso não é verdadeiro, se é errado, me diga como chegou ao ponto de ter certeza disso.”
Tom Rosenstiel —
 Pode-se dizer que antes nós vivíamos a era do “confie em mim” das notícias. Walter Cronkite fechava o noticiário com as palavras “e é assim que as coisas são”.

“Nova York, Cincinnati e Saint Louis estão sob uma montanha de gelo. Certamente, não teremos trânsito e nem aulas por hoje. E é assim que as coisas são. Segunda, 11 de setembro de 1972.” — Walter Cronkite

Luis Fernando Silva Pinto — Eu acho, mas posso estar errado, que somos profissionais melhores hoje do que éramos há 20 ou 30 anos por causa das exigências de público. Estou certo ou errado?
Tom Rosenstiel —
 Acho que os jornalistas estão melhores e acho que as ferramentas que temos são muito melhores. Nossa capacidade de explicar é muito melhor. Costumo descrever isso da seguinte forma: há 20 anos, se você estivesse cobrindo uma matéria para um jornal, tinha de fornecer umas seis coisas: a matéria principal, a manchete, uma foto, talvez um gráfico e também podia fazer uma matéria secundária. Hoje, se estiver cobrindo uma matéria, há centenas de ferramentas que pode usar, desde gráficos interativos até hiperlinks para as transcrições completas das entrevistas, de matérias anteriores… É incrível.

Luis Fernando Silva Pinto — Em algumas ocasiões, o que é divulgado nas redes sociais ajuda enormemente. Na Primavera Árabe era possível ver tudo que acontecia ou estava para acontecer no Cairo no Twitter. Mas na internet há muito ruído, às vezes ruídos maliciosos. Como separar isso?
Tom Rosenstiel — Muito tempo atrás, as pessoas diziam que uma mentira dá a volta ao mundo antes de a verdade vestir as calças. Isso era verdadeiro há 100 anos e é muito mais verdadeiro hoje. Existe um conceito econômico chamado Lei de Gresham segundo o qual a moeda ruim, ou seja, desvalorizada, pode expulsar a moeda valorizada da economia, enfraquecendo-a. É assim que a inflação acontece. Pode haver uma lei de Gresham no jornalismo, na qual a informação ruim pode dominar por ser tão provocadora.

Luis Fernando Silva Pinto — Além disso, há algoritmos que fazem com que a quantidade de coisas novas sendo geradas obstrua completamente a sua capacidade de ver o que é verdade e o que não é.
Tom Rosenstiel — Podemos pegar o exemplo de uma foto que alguém posta de um acontecimento que não é aquele. Por exemplo, o atentado de Nice. Surgem muitas fotos falsas. Existem softwares que identificam se uma foto é fala, mas ele demora a alcançar. Primeiro ele tem de identificar se a foto é real, de onde é…

Luis Fernando Silva Pinto — E a distribuição da foto falsa…
Tom Rosenstiel — Você está sempre correndo atrás, e esse é o maior problema da internet, na minha opinião.

Luis Fernando Silva Pinto — Então a solução será tecnológica? Será através de algoritmos, de filtros?
Tom Rosenstiel — Essa é uma pergunta que as pessoas estão se fazendo hoje. O Google controla muitas informações, porque 80% das buscas em dispositivos móveis e 60% de todas as buscas passam pelo Google. A empresa tem a capacidade, com seu algoritmo, de priorizar informações mais precisas, mas descobrir como fazer isso é um desafio constante. E a empresa tem de decidir se o algoritmo deve impor os valores dela e o que ela acha correto ou se deve refletir o que as pessoas procuram.

Luis Fernando Silva Pinto — Segundo um dado do livro, nenhum dos jornais americanos em 2003 cobrava pela edição digital. Hoje 450 cobram.
Tom Rosenstiel — Sim, e no caso do New York Times cerca de 60% do faturamento vem de assinaturas.

Luis Fernando Silva Pinto — Digitais?
Tom Rosenstiel — No total. E o jornal atingiu o patamar de um milhão de assinantes digitais, que só acessam o conteúdo online. Esse é um negócio importante para eles, e isso tem cada vez mais implicações. Se eu quero que você me pague por ele, meu produto tem de ser muito valioso para você. Não posso explorar você, não posso trabalhar para anunciantes. Você tem que reconhecer que o conteúdo é tão útil que está disposto a pagar. Isso exige que os jornalistas escutem, entendam e escrevam suas matérias de forma que elas agreguem valor. Com isso, a importância do leitor aumentou e o jornalista passou a ter de ouvir muito mais do que ouvia antes.

Luis Fernando Silva Pinto — Tom Rosenstiel tem uma versão americana da frase brasileira que diz: o bom disso é o ruim que está ficando, em relação à imprensa.
Tom Rosenstiel — Se fizermos nosso jornalismo não para jornalistas, mas sim um produto que ajude as pessoas a melhorarem de vida, que lhes dê mais poder, que as torne mais informadas, o jornalismo vai melhorar e as pessoas vão dar um jeito de pagar por ele. No momento, há 15 ou 16 modelos diferentes de receita sendo testados dentro de empresas de mídia.

Desde conteúdo patrocinado até eventos para atrair novos assinantes, para vender dados às pessoas, e as empresas que estão se saindo melhor são as que estão tendo sucesso em vários desses modelos, em pelo menos dez ou onze desses 16 ou 17 modelos de receita. E no coração deles está entender os dados sobre como as pessoas usam seu produto.

Portanto uma imprensa muito mais responsiva e que perceba… Não estou falando dos vídeos de gatos, que têm pouco valor, o tempo de visualização é curto, mas de matérias de leitura demorada, aprofundadas, valiosas, que podem ser lidas três meses depois. Essas são as matérias, quando você faz uma análise realmente sofisticada, que têm valor extra.

Portanto, as publicações estão descobrindo que, enquanto há 4 ou 5 anos colocavam mulheres de biquíni e vídeos de gatos para atrair visualizações… Elas agora estão percebendo que isso não significa muita coisa e que precisam de dados que informem o engajamento real. Por que as pessoas vão voltar a nós 4, 5, 6 vezes por mês? O que leva as pessoas a pagar uma assinatura? Então esse é um jornalismo mais significativo. Estamos bem no início dessas descobertas. É mais ou menos algo como: éramos bebês e agora somos adolescentes.

Luis Fernando Silva Pinto — Nós vamos ter um campo do jornalismo dinâmico, honesto, diversificado, durante os próximos 40 anos ou 100 anos na sua opinião?
Tom Rosenstiel — Acho que vai ser irregular. Acho que a qualidade do jornalismo nacional que os países terão vai melhorar. Quando você e eu aprendemos a ser jornalistas, nós prestávamos atenção nos mais velhos e tentávamos fazer as coisas que eles faziam. Assim aprendíamos a técnica e nos tornávamos escritores melhores, mas nunca nos ocorreu que inventariámos novas formas de fazer jornalismo. Aprendíamos uma habilidade que ia sendo refinada.

Hoje, um adolescente de 14 anos pode ver um dispositivo tecnológico e achar que é possível usá-lo para descobrir e aprender, e ele vai inventar um jornalismo melhor do que o que temos hoje. Essa é uma perspectiva muito empolgante. Ao mesmo tempo, também haverá instituições e políticos poderosos usando essa tecnologia para enganar as pessoas.

Então haverá uma guerra entre cidadãos que querem usar a tecnologia para aprender e instituições poderosas que querem usar a mesma tecnologia para persuadir. Essa é uma outra forma através da qual os cidadãos vão salvar o jornalismo, por causa da forma como pessoas muito jovens e também os pobres, os mais carentes, os imigrantes, pessoas que não têm poder, vão querer usar essa tecnologia para se erguer.

Luis Fernando Silva Pinto — Nós já aprendemos com os mais velhos e agora é hora de aprender com os mais jovens.
Tom Rosenstiel — Exatamente.

 

Fonte: ConJur