A Grande Imprensa no Brasil é liberal-conservadora

Cientista Político, Fernando Azevedo, da UFSCar, lança livro sobre a imprensa brasileira

No atual momento de polarização e crise política em diferentes níveis no país, o debate sobre a relação entre mídia e política se reaquece. E a pergunta central é: como se posicionam os meios de comunicação em relação aos atores, personagens e instituições políticas?

O professor titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, Fernando Antônio Azevedo,, analisa essa questão observando o posicionamento dos principais jornais impressos em relação a três presidentes brasileiros: Getúlio Vargas, João Goulart e Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef.

Na pesquisa – que resultou no livro “A Grande Imprensa e o PT: 1989-2014” – Azevedo traça um paralelo histórico entre a atuação dos grandes jornais e os projetos liberais-conservadores e afirma que, apesar de escreverem para um público conservador, a postura das empresas vai além do interesse comercial – demonstra efetivamente um alinhamento ideológico entre imprensa e liberalismo no Brasil.

Confira abaixo a entrevista em que ele trata do lançamento nacional do livro – previsto para outubro – e também comenta os principais achados da pesquisa:

De que trata o livro?

Fernando Azevedo: A relação entre a mídia e política no Brasil é tema de estudos e debates a partir de uma pergunta chave: como se posicionam os meios de comunicação em relação aos partidos, candidatos, eleições e governos? A partir desta questão o livro examina a relação da chamada grande imprensa (O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo)com o PT ao longo das eleições presidenciais disputadas na Nova República (1989-2014). O texto, em seu capítulo inicial, descreve as características do sistema de mídia brasileiro, monopolizado e com baixa diversidade política, e traça um histórico da atuação política da imprensa nos anos 50 e 60.  Em seguida constrói uma série histórica, cobrindo vinte e cinco anos e sete eleições presidenciais, as seis últimas polarizadas entre petistas e tucanos, analisando as valências e enquadramentos das manchetes e editoriais publicados pelos jornais pesquisados. No último capítulo discute o antipetismo na imprensa antes e depois do PT chegar ao poder e, nas conclusões, expõe três teses sobre a relação entre a grande imprensa e o PT e o petismo.

Por que estudar a relação entre grande imprensa e PT?

F.A.: A chegada dos petistas ao poder, liderando uma aliança de centro-esquerda, representou, pela primeira vez em nossa história, a ascensão pelo voto de um candidato e um partido que em seu programa original se definia, com todas as letras, como socialista. Olhando pelo retrovisor da história, e ressalvando as conjunturas históricas e políticas distintas, observamos que apenas o segundo governo Vargas (1951-54) e o governo Jango (1961-64) podem ser comparados do ponto de vista da proximidade ideológica com o período petista. Ambos foram governos trabalhistas, um eleito pelo voto popular e outro ascendendo ao poder pela renúncia de Jânio. Os dois governaram sob o fogo cerrado da oposição de centro-direita e tiveram seus mandatos abreviados pela crise política que redundou no suicídio de Vargas, em 1954, e na deposição de Jango dez anos depois por um golpe militar. Com o impeachment da Dilma chegou ao fim um ciclo político marcado pela polarização entre as forças de centro-esquerda e centro-direita.  Portanto, analisar o comportamento da imprensa em relação ao PT e ao petismo permitia analisar como os principais jornais do país se posicionavam diante de um quadro de forte polarização política e verificar como eles se definiam diante dos atores políticos em cena.

Qual a principal contribuição do estudo sobre a cobertura do Partido dos Trabalhadores para o debate do jornalismo brasileiro atual?

F.A.: A pesquisa analisou não só o posicionamento editorial dos jornais na atual quadra democrática como também fez uma ampla revisão histórica sobre a atuação da mídia na chamada democracia populista, entre 1945 e 1964.  Segundo a literatura sobre o período, a imprensa foi muito ativa e entrou no debate político replicando as posições de centro-direita, lideradas pela UDN, tanto no período varguista (1951-54) como no governo Goulart. Os principais jornais, em 1964, apoiaram o golpe militar de 64 e, depois, o regime militar.  Apenas o extinto Correio da Manhã e o Estadão se opuseram ao novo regime depois que ele se aprofundou com os atos institucionais.  Portanto, os jornais tinham uma tradição de participação política que se dava por uma via conservadora. A análise do comportamento recente em relação ao PT e ao petismo confirma essa tradição de intervir no processo político através de um “paralelismo político” no campo da mídia que replica ou endossa posições partidárias e ideológicas em disputa ao lado das forças de centro-direita.

Na sua visão, então, a grande imprensa brasileira tem lado?

F.A.: Sim, apesar dos chamados “quality papers” fazerem um jornalismo moderno baseado em fatos, em que as páginas de opinião são separadas das de informação. Contudo, o nosso jornalismo ainda é fortemente opinativo, com grande peso nos editoriais e colunas e nesse sentido possui grande impacto na formação da opinião pública, inclusive porque a maior parte dos temas e debates nas novas mídias (blogs, Facebook, etc.) é pautada pela imprensa tradicional. Isso não seria um problema se o nosso sistema de mídia fosse plural e diversificado. Mas, ele é fortemente concentrado e monopolizado por basicamente quatro grupos midiáticos (Globo, Abril, Estadão, Folha) que detém a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Esta situação leva a um desequilíbrio informativo e, evidentemente, a um déficit democrático, no sentido em que uma democracia de qualidade demanda fontes alternativas de informação para que o cidadão tenha acesso às diversas posições políticas em disputa.

Como se dá o paralelismo político entre grande imprensa e projetos liberais-conservadores? É igual no passado e no presente?

F.A.: O jogo político brasileiro apresenta uma linha de continuidade em sua clivagem ideológica: o embate histórico entre a direita e a esquerda brasileira se dá, grosso modo, em torno das teses liberais de um lado e, de outro, do nacional-desenvolvimentismo.  A grande imprensa, tanto no passado quanto nos anos recentes, apoiou abertamente, através de editoriais, as forças liberais lideradas, nos anos 1940 e início dos 60, pela UDN e, no período recente, pelo PSDB. Contudo, hoje, as empresas jornalísticas são organizações comerciais independentes e autônomas financeiramente, tanto do Estado quanto dos partidos, e o apoio político não deriva de vínculos organizacionais (imprensa partidária) ou ligações políticas nem o endosso eleitoral é dado de modo incondicional.  O que, então, explica o apoio às forças de centro-direita ao longo do tempo, atravessando sistemas partidários e eleições? Uma hipótese é a de que esse apoio se deve a uma estratégia de fidelização do público desses jornais que, sociologicamente, é constituído por um estrato de renda e nível educacional alto e conservador do ponto de vista político. Sem dúvida, esse público compõe a audiência por excelência dos chamados jornais de prestígio e qualidade. Mas, aqui, estamos diante de um dilema do tipo Tostines: “o biscoito vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”.  Assim, embora, de fato, os três grandes jornais pesquisados escrevam para um público que pretendem manter fidelizado, talvez a hipótese mais robusta e de maior amplitude explicativa é a da afinidade histórica e ideológica com o ideário liberal-conservador, mais forte e visível no caso dos jornais O Globo e Estadão, mas também presente no caso da FSP.

Quando será o lançamento? Quem quiser adquirir, onde pode encontrar?

F.A.: O lançamento nacional será no Encontro Anual da ANPOCS, em Caxambu, no dia 23 de outubro. Mas, para quem quiser adquirir, a venda já está disponível no site da EdUFScar.

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Lucy Oliveira é jornalista e doutora em Ciência Política pela UFSCar. Pesquisa as relações de agenda entre propaganda negativa eleitoral e grande imprensa no Brasil. É pesquisadora do grupo “Comunicação Política, Partidos e Eleições”

Fonte: Observatório da Imprensa