Acordo de paz e mudança na comunicação melhoram imagem das FARC na Colômbia

 

Presidente colombiano Juan Manuel Santos, presidente cubano Raúl Castro e o líder guerrilheiro Timoleón Jiménez (“Timochenko”) simbolizam acordo de paz | Foto: Farc peace delegation
Presidente colombiano Juan Manuel Santos, presidente cubano Raúl Castro e o líder guerrilheiro Timoleón Jiménez (“Timochenko”) simbolizam acordo de paz | Foto: Farc peace delegation

Uma pesquisa divulgada no início de novembro registrou um índice de 18% de opinião favorável sobre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), a mais alta taxa de aceitação da guerrilha registrada nos últimos 16 anos. A cifra indica o impacto positivo junto à população colombiana da mudança na postura e na comunicação das FARC ao longo dos quatro anos de negociações que levaram ao acordo de paz firmado com o governo de Juan Manuel Santos.

A pesquisa, realizada pelo instituto Gallup entre os dias 20 e 30 de outubro, entrevistou 1.200 colombianos sobre suas impressões do atual governo, da guerrilha e dos diálogos de paz desenvolvidos em Havana, Cuba, entre 2012 e 2016. Mesmo após a rejeição ao acordo no plebiscito do dia 2 de outubro – pela estreita margem de 60 mil votos em um universo de 13 milhões de votantes, totalizando 49,7% para o “sim” ao pacto contra 50,2% para o “não” –, 53% dos entrevistados afirmaram que as negociações entre as FARC e o governo Santos iam por um bom caminho. E, para 77%, a melhor opção para solucionar o problema da guerrilha na Colômbia era de fato insistir nos diálogos até chegar a um acordo de paz.

Estes índices, os mais altos registrados nas pesquisas realizadas sobre o tema pelo instituto, parecem responder a uma campanha de reconstrução da imagem da guerrilha junto à opinião pública colombiana e internacional. O engajamento nas negociações de paz com o governo foi acompanhado de um gradual distanciamento da retórica belicista e militarista utilizada pela guerrilha por quase 50 anos em prol da promoção do diálogo e da inserção no sistema político colombiano para o alcance dos objetivos revolucionários das FARC.

A transformação é também estética, explicitada por uma campanha publicitária profissional. A ideia é afastar a imagem de guerrilha armada e salientar o fato de que as FARC são uma organização popular formada por membros dos setores mais vulneráveis da sociedade colombiana, cujo principal objetivo é promover a justiça social no país. A campanha também afirma categoricamente, para o grande público, que o grupo está pronto para se integrar à democracia participativa e ao sistema político em vigor na Colômbia.

Uma das peças mais bem-sucedidas desta campanha é um vídeo divulgado nas redes sociais da guerrilha no dia 14 de outubro, intitulado “A Alegria pela Paz”. Com mais de 43 mil visualizações até agora, é o segundo vídeo mais visto do canal das FARC no YouTube (perde apenas para um vídeo em que a guerrilha adere à brincadeira viral do ‘desafio do manequim’) e traz guerrilheiras e guerrilheiros em trajes civis, em cenas do dia a dia de um acampamento da organização. Os símbolos clássicos da guerrilha – como os coturnos e a imagem de Che Guevara – continuam presentes, mas a mensagem da paz se faz presente por meio de sorrisos, abraços e um coral de militantes cantando uma versão do “Hino à Alegria”, de Beethoven.

https://www.youtube.com/watch?v=zLR-rvtm6Kg

Outro marco dessa transformação e da abertura à opinião pública por parte das FARC foi a Décima Conferência Nacional Guerrilheira, realizada na última semana de setembro em Llanos del Yarí, no sul da Colômbia. O evento contou com a cobertura in loco de mais de 600 jornalistas de vários países, que puderam acompanhar os debates entre mais de 200 delegados da guerrilha sobre o acordo de paz e o futuro na política formal após o fim do conflito armado. A imprensa colombiana e internacional tiveram acesso direto aos integrantes do movimento e presenciaram o apelo à paz nas cerimônias de abertura e encerramento, quando todos vestiram branco, além das várias atrações musicais, que reforçaram a mensagem pacifista das FARC.

Carlos Antonio Lozada, membro do Secretariado das FARC, disse em entrevista à revista colombiana Semana que a transformação pela qual passa a guerrilha, de grupo armado a movimento político, se reflete também na forma de se comunicar. “De alguma forma, as roupas de civil e a cor branca expressam a decisão referendada na Décima [Conferência das FARC], de avançar para a implementação dos acordos [de paz]”, afirmou.

A necessidade de atingir a opinião pública colombiana se fez ainda mais premente após a rejeição ao acordo de paz no plebiscito do dia 2 de outubro. “A vitória do ‘não’ fez [as FARC] falarem mais em um tom de promover o acordo, evitando se vender como intransigentes”, afirmou Miguel García Sanchez, codiretor do Observatório da Democracia da Universidad de los Andes, em Bogotá, a Opera Mundi. De fato, ao longo das últimas semanas, as FARC têm postado em seu canal no YouTube uma série de vídeos que promovem o discurso pacificista e a construção de uma “nova Colômbia”, unida em prol da reconciliação após 52 anos de conflito.

https://www.youtube.com/watch?v=opHy2aMLNIo

O investimento em comunicação reflete também a vontade das FARC de convencer a população de seu compromisso com a paz negociada com o governo. Tal disposição resultou no novo e definitivo acordo, anunciado no dia 12 de novembro, assinado no dia 24 e aprovado pelo Senado colombiano no dia 29 de novembro e pela Câmara dos Representantes no dia seguinte (30). O texto foi emendado para acomodar alguns pontos de dissenso levantados pela oposição ao pacto levado ao voto popular em outubro, liderada pelo ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe.

Entretanto, mesmo com as alterações, este grupo político, formado majoritariamente pela oposição ao presidente Santos, segue não aceitando o pacto. O governo e as FARC sustentam que o rechaço de Uribe e de seus aliados ao acordo de paz tem fins eleitoreiros, com o ex-presidente como virtual candidato para voltar ao cargo por meio das eleições de 2018 no país. De qualquer forma, esta oposição contempla setores da população colombiana que ainda veem as FARC com desconfiança. Para Miguel García Sanchez, a rejeição de parte da população à guerrilha “vai além da maneira em que [as FARC] se comunicavam” e se relaciona principalmente aos 52 anos de guerra aberta, que deixaram um saldo de mais de 200 mil mortos e cerca de sete milhões de pessoas tendo abandonado suas casas para fugir do conflito.

Segundo declarou Juan Manuel Santos na ocasião da assinatura do novo pacto, o dia seguinte a sua aprovação pelo Congresso – 1º de dezembro – é o Dia D, que marca o início da implementação do acordo de paz. O presidente colombiano destacou então o desarmamento dos guerrilheiros, que deverá ser concluído nos próximos 150 dias. “As FARC, como grupo armado, terão deixado de existir”, disse Santos, salientando um dos principais pontos do acordo, que prevê a transição da guerrilha para movimento político – o que já se vê na comunicação avançada pelas FARC nos últimos meses. “A organização já está se pensando como partido”, diz o cientista político Sanchez.

O pacto já está referendado, inclusive com a aprovação do processo no Congresso pela Corte Constitucional da Colômbia na última terça-feira (13). No entanto, as FARC e o governo de Santos sabem que o apoio da maioria da população é necessário à implementação efetiva do acordo, já que não há paz que possa ser alcançada com o golpe de uma caneta. Se “a paz está em nosso coração”, como diz o novo slogan das FARC, também dos corações colombianos depende a transformação social por que a guerrilha lutou e pretende continuar lutando, agora nas trincheiras da política.

Fonte: Sul 21