A Babel e o Silêncio: redes sociais e política

A babel das redes sociais tem possibilitado posicionamentos ideológicos acríticos. O pior é trazer  para o mesmo espaço a concordância com pensamentos e práticas de extrema direita.

Reza a lenda que a Torre de Babel foi construída pelos descendentes de Noé após o dilúvio e tinha como intuito reunir todos os povos em um só reino, falando uma só língua e conduzi-los ao reino de Deus. Jeová, por sua vez, desejando o povoamento da terra, intervém na ação do homem e confunde as linguagens, fazendo com que os homens que ali estavam não mais compreendessem a linguagem um do outro.

Há mais de uma década que vivemos em ambiente de redes sociais, possibilitado pelos avanços na rede mundial de computadores. Em seu principio a euforia com o empoderamento dos cidadãos que possuem acesso ao mundo digital com a potencialização da voz, proporcionou um movimento de otimismo frente às possibilidades postas de  bom uso das mídias que oferecem visibilidade a baixo custo, interatividade, oportunidade de coparticipação em causas sociais, dentre outros fatores.

A possibilidade de reencontrar amigos distantes espacialmente. A oportunidade para divulgar causas sociais, compartilhar conhecimento sobre práticas medicinais, ou simplesmente, o direito de falar e, principalmente, ser ouvido; características presentes no ambiente virtual, tornam as redes sociais um fenômeno contemporâneo que está proporcionando mudança de hábitos e de sociabilidades. Ao mesmo tempo em que se coloca como espaço ideal para o culto da imagem e autoimagem. Nunca o narcisismo esteve tão disseminado e presente de forma holística.

 O fato é que o espaço de possibilidades díspares para o trabalho coletivo tem se tornado uma grande babel. Embora possamos nos comunicar com todo o mundo, e, no caso do Brasil, falar a mesma língua, não estamos conseguindo nos entender. A manifestação das diferenças ideológicas está potencializando a polarização da sociedade brasileira.  Maniqueu encontra-se presente nos debates diários em que uma enxurrada de análises de autointitulados especialistas empíricos traduzem, em muitos casos, de forma extremista, limitada e parcial a conjuntura política e traçam sentenças.

Todos os lados se autoproclamam o lugar do bem e dizem que ao seu lado não há espaço para a corrupção, jogando para baixo do tapete, as práticas corruptivas diárias, que mesmo de pequeno porte, mancham a reputação do nosso país.

O maniqueísmo posto, é falso, haja vista que conforme o princípio do Taoísmo  do Yin e do Yang, conhecido pelo diagrama do Tai-chi, o equilíbrio se dá exatamente porque as energia opostas estão contidas e contém uma a outra. O masculino e o feminino. O frio e o quente. O bem e o mal.  Nada é exclusivamente Yin ou Yang.

O fato é que os debates de cunho aparentemente político  que banha as redes sociais e as ruas do nosso país tem provocado em muitos de nós um efeito de Espiral do Silêncio. Explico: a hipótese teórica da Espiral do Silêncio desenvolvida pela alemã Elisabeth Noele-Neumann nos esclarece que os indivíduos tendem a omitir sua opinião e silenciar suas posições, quando o que pensam não está de acordo com o que reverbera a mídia, formando uma opinião dominante.

Muitos e aqui me enquadro, preferem se manter calados. Até porque a maioria dos posicionados à direita ou à esquerda, exige que todos, indistintamente, devem declarar um lado. Esquecendo que existe muito a enaltecer nas políticas implantadas nos últimos anos, como também, reconhecer que muito há para denunciar e punir em termos de práticas corruptivas.

Assim é que na tentativa de separarmos o joio do trigo, estamos “tocando fogo” em toda a plantação e o risco de perdermos a colheita que representa a evolução social dos últimos governos é grande.

Todo povo que não conhece a sua história, nem lembra do passado está condenado a repetir os mesmos erros.  A coincidência entre as datas das manifestações de 1964 e 2016, talvez não sejam tão coincidentes assim, e, por isso mesmo, o protagonismo de parte da sociedade ali representada talvez não seja tão verdadeiro.

A babel das redes sociais tem possibilitado o credenciamento ideológico massivo e acrítico, provocando reações e comportamentos similares aos encontrados na sociedade de massa do início do século XX, manipulada pelo advento dos meios de comunicação de massa, primeiro o rádio e depois a TV.

Misturar nas mesmas demandas reivindicatórias o fim da corrupção e o fim dos programas sociais que ocasionaram a mudança na qualidade de vida de milhões de brasileiros, talvez seja uma incoerência grande. Pois foi o aumento do poder aquisitivo das classes C e D que proporcionou ao empresariado brasileiro o crescimento e a expansão dos negócios nos últimos anos, obviamente aliado a políticas de incentivo fiscais e  programas de distribuição de renda.

Todavia, o pior talvez seja, trazer para o mesmo espaço a  concordância com pensamentos e práticas de extrema direita, representados por uma bancada de deputados que discriminam homossexuais e mulheres, que devem em suas concepções: os primeiros sofrerem cura, e as segundas, se tornarem submissas aos maridos.

Toda corrupção comprovada deve ser punida e combatida, esteja a prática inserida onde estiver. Contudo, é preciso atentarmos para os sinais de manipulação que os meios de comunicação deixam transparecer todos os dias, assim como foi feito em diversos momentos da nossa história. É preciso perceber, sob pena de cair nos erros das sociedades do passado quando o povo foi tão somente um elemento das manobras do poder midiático e político.

Não sei para onde vamos, mas se continuarmos na babel das redes sociais, não chegaremos longe, ao contrário retornaremos ao limiar da barbárie. A minha proposição é que venhamos a usar as redes e suas potencialidades para tentar a união e não a cisma. 

Fonte: texto de Ana Regina Rêgo, com título original A Babel e o Silêncio: sobre redes sociais, dissidências políticas e espiral do silêncio, publicado em http://comunicacaoorganizacionalufpi.blogspot.com.br/2016/03/a-babel-e-o-silencio-sobre-redes.html. A autora tem Mestrado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e Doutorado em Processos Comunicacionais pela UMESP (2010). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Coordena o NUJOC-Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação e o Projeto Memória do Jornalismo.